Proteção contra cheias: Fazer o básico ainda funciona!
Recentemente me deparei com o vídeo abaixo. Nele, dois irmãos receberam a notificação de que o rio Obion, no Tennesee estava subindo e resultaria na falha do sistema de proteção contra cheias. Eles tiveram algo em torno de 48 horas para identificar o problema e testar uma solução, correram para construir seu próprio sistema com diques de terra.
Os irmãos não conhecem hidrologia, hidráulica nem nenhuma outra ciência ligada a recursos hídricos. Contudo, cresceram ouvindo do seu pai sobre o comportamento do rio e como ele fazia para manter o terreno seguro contra enchentes.
Tennessee Brothers Built Levee Days Before Historic Flood
Por incrível que pareça, esse é um problema que enfrentamos atualmente. Sistemas de proteção contra cheias viraram hype. Aquela coisa que surge e de repente todos falam sobre, todos comentam em rodas de conversa, todos compreendem a importância… Mas poucos fazem o que deveria ser feito.
No Brasil, as enchentes naturais ocorrem em praticamente todos os estados. Em alguns deles, gerando prejuízos anualmente em grandes centros urbanos. Basta buscar no google e lembramos de problemas no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Alagoas e, recentemente, no Rio Grande do Sul.
A solução, que pode ser tão simples quanto os diques construídos pelos irmãos do Tennesee, se tornaram alvo de debates acalorados. Há quem defenda soluções estruturais como as únicas soluções viáveis, outros que defendem com unhas e dentes os sistemas de alerta antecipado, e há ainda aqueles que buscam no manejo e ocupação do solo as soluções mais próximas da adaptação ao problema.
Mudanças climáticas, anomalias climáticas, eventos hidrológicos extremos que nunca mais irão acontecer… independente de como você compreenda o que vem acontecendo na hidrologia de diversos rios brasileiros (e do mundo) nos últimos anos, o senso comum aponta para o reconhecimento de que a frequência de inundações está aumentando. Tecnicamente, há simulações matemáticas de modelos climáticos globais usadas pelo IPCC que apontam para uma tendência alarmante:
A tendência para o futuro é que haja maior volume anual de chuva e menor quantidade de dias úmidos.
Isto significa que teremos uma quantidade de chuva anual igual ou superior a que já temos hoje, mas ao contrário do que seria esperado, teremos menos dias de chuva ao longo do ano. A conclusão que tiramos disso é que teremos mais eventos extremos (maior volume de chuva em menos dias).
Soluções mágicas como dragar todos os rios existentes, conformar todos os canais próximos a cidades, dimensionar dispositivos e estruturas para eventos extremos ainda maiores e mais robustos que os usuais e “inovar” com soluções baseadas na natureza se tornaram prática comum para resolver os problemas de inundações existentes.
O foco da discussão que vou trazer na sequência é a seguinte: Não há soluções mágicas para proteção contra cheias.
No contexto que vivemos hoje, com tantos profissionais conceituados aparecendo e dando sua opinião, isto parece um jeito errado de pensar. Afinal, ser disruptivo e inovador virou um padrão, e se tem tanta gente boa e qualificada dando sua opinião, deve ter algo inovador e disruptivo que possa ser feito…
Contudo, basta dar uma olhada nas soluções inovadoras propostas e confrontar com livros (usem referências antigas para dar maior impacto) para ver que ocorrem duas situações: As soluções propostas já são conhecidas e nunca foram aplicadas ou as soluções propostas são soluções já conhecidas e foram “perfumadas” ou “temperadas” de uma maneira diferente. No fim do dia, estamos comprando um novo tipo de feijão, mais cheiroso e com melhor sabor, mas que não passa do mesmo feijão que comemos todos os dias que alguém deixa de molho antes de cozinhar e tempera com coentro (sim, sou amante de coentro).
Soluções simples ainda resolvem o problema. Claro que ninguém quer passar pela situação apresentada no vídeo, mesmo que tenha sido um sucesso. Podemos e devemos buscar soluções mais confortáveis. Coloquei abaixo alguns tópicos essenciais para “imaginar” sistemas de proteção contra cheias:
ESTUDO HIDROLÓGICO
Tudo começa aqui. O estudo hidrológico é a base para compreender precipitações, vazões, cotas de inundação e assim por diante. É nele onde respondemos as perguntas: Qual o volume de água que vai passar nesse local e qual o risco ao qual estou exposto?
O resultado final após um estudo hidrológico bem executado é um hidrograma de projeto. Uma representação do processo de precipitação no solo, escoamento superficial e inundação em determinado local, para um determinado evento hidrológico. É com esse hidrograma que fazemos o design do sistema de proteção.
ESTUDO HIDRÁULICOS
Determinar o hidrograma de projeto é apenas o primeiro passo para compreender o volume de água que precisamos gerenciar. O estudo hidráulico é a etapa que converte o hidrograma no problema de verdade. É a partir dele que avaliamos as características do escoamento, sua extensão, tempo de propagação, área atingida e velocidade de ocorrência. O foco aqui é em processos hidrodinâmicos, que complementam o conhecimento gerado na etapa anterior e resultam numa descrição precisa do problema existente.
A partir daqui, sabemos o volume de água que precisa ser gerenciado e como este volume se torna transforma em cotas no rio, resultando em inundações.
DETERMINAR AS MELHORES SOLUÇÕES
Aqui é onde a mágica acontece! As soluções mais consistentes vêm do manejo e ocupação do solo. Mapear áreas de risco, respeitar zonas de inundação naturais, manter a natureza o mais próximo do ciclo natural possível. Isso pode ser feito com instrumentos de gestão e planejamento urbano. Como apresentado em diversos livros e estudos sobre o tema, e vivido recentemente no Rio Grande do Sul, os rios não “criam” novas zonas de inundação. Apenas ocupam as áreas que naturalmente faziam parte de sua dinâmica hidrológica-hidráulica.
A ideia parece muito boa, mas sabemos que pode ser insustentável. Inundações ocorrem em diferentes “tempos”, sendo que uma inundação grande pode acontecer em dois anos seguidos ou num espaçamento de 80 anos! Logo, como gerenciar o crescimento urbano respeitando um evento que pode levar mais de uma geração para ocorrer novamente?
As vezes não lembramos onde deixamos o celular, imagina lembra de algo que meu avô vivenciou quando criança…
Daí existem as soluções estruturais. Diques, barragens, sistemas de transposição, canais, bacias e tantas outras obras hidráulicas de grande porte que ajudam a gerenciar inundações. Estes sistemas são importantes e eficazes, não tem como negar. Mas o custo para construção e manutenção (o famoso Opex e Capex) dificultam a sustentabilidade do sistema de proteção com soluções exclusivamente estruturais.
Uma forma de encontrar soluções intermediárias, entre o manejo e obra hidráulica, surgiu com o desenvolvimento do conceito LID (do inglês, desenvolvimento de baixo impacto), que atualmente cresceu e ganhou maior relevância sob o conceito das Soluções Baseadas na Natureza. Estas soluções buscam encontrar soluções que mantenham funções ecossistêmicas intactas mesmo com o desenvolvimento humano intenso que é experimentado em diversas cidades.
SISTEMAS DE ALERTA
A tecnologia atual nos fornece uma flexibilidade que não existia nas décadas (ou séculos) passados, quando as soluções que discuti anteriormente começaram a ser implementadas. Não precisamos mais confiar que o pior não vai acontecer, podemos monitorar e gerenciar os eventos climáticos para conduzir soluções mais eficazes para eventos extremos.
Sistemas de alerta, radares, modelos de previsão, são apenas alguns dos elementos que podem ser utilizados pela Defesa Civil ou outros órgãos competentes para manter a população segura contra enchentes. Mesmo que o sistema de proteção contra cheias falhe, como foi o caso de Porto Alegre, estas ferramentas permitem que rotas de fuga e planos de contingência sejam acionados com antecedência, permitindo que a maior parte da perda seja apenas econômica, não de vidas.
Aqui sim, há um espaço enorme para que a mágica aconteça!
- Qual a melhor forma de previsão hidrometeorológica?
- A previsão hidrológica pode ser complementada com previsões hidráulicas?
- Qual o sistema de alerta é mais eficaz?
- Como criar um planejamento de continuidade econômica mesmo neste cenário adverso?
- O que fazer com as pessoas que forem afetadas ao ponto de não ter retorno econômico das suas perdas?
- Como a Inteligência Artificial e o IoT podem ajudar esses sistemas e garantir que as pessoas recebam a notificação correta no momento correto?
- Como incluir áreas rurais sem cobertura de 3G?
Aqui é onde temos muito espaço para melhorias!
Como nos proteger contra cheias é fácil, difícil é como recuperar nossas vidas depois que o evento ocorre.
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Nossa empresa compreende as necessidades e os objetivos de nossos clientes para seus usos de recursos hídricos. Valorizamos a construção colaborativa dos nossos serviços garantindo que o resultado atenda aos seus desejos. Integrando as necessidades identificadas com as melhores soluções técnicas disponíveis, superamos as expectativas de nossos clientes e fortalecemos nosso relacionamento de longo prazo.
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