Participação Social: Porque nossos sistemas de alerta falham?
Recentemente a cidade de Muçum, no Rio Grande do Sul, passou por um evento hidrológico extremo que assolou (e continua assolando) o município. Houve perdas estruturais (casas, edifícios e malha rodoviária) e perdas humanas (vidas ainda sendo contabilizadas), causando uma dor que nunca será esquecida. os que viveram o evento de forma direta ou indireta vão se lembrar das emoções sentidas pelo resto da vida.
Contudo, ouso dizer que este não é último evento hidrológico extremo, que não é decorrente de rompimento de barragens ou coisas do tipo, a resultar em óbitos. Como humanos, passamos por momentos críticos, sofremos, perdemos coisas e pessoas, e temos a “resiliência” de continuar nossas vidas. Aqui coloco o termo entre aspas para indicar que essa chamada resiliência nem sempre é algo positivo. Neste caso ela se assemelha a uma teimosia, existente devido a insegurança, falta de conhecimento, falta de oportunidade ou simplesmente devido a falta de memória das emoções vivenciadas.
O ser humano e sua incrível capacidade de esquecer
Sim, temos um mecanismos de defesa que nos faz atenuar situações traumáticas com o passar do tempo. Se você ainda não conhecia esse traço em comum de todos os humanos, sugiro buscar literatura específica sobre nossa capacidade de evoluir a partir de situações traumáticas. Biologicamente evoluímos para amenizar o que passamos. Nos fortalecemos dizendo coisas como: passei e sobrevivi, estou mais forte agora, não caio mais nessa… e coisas do tipo.
Obs.: Estes mecanismos de defesa não evitam que eventos traumáticas deixem uma cicatriz em nossa personalidade. Há eventos impossíveis de serem deixados para trás, por mais que a vida siga e nós continuamos a viver.
Se naturalmente temos esta capacidade, imagine quando os eventos traumáticos são cíclicos, como as cheias intensas que assolam diversas cidades brasileiras. Evoluímos para enfrentar os problemas, enfrentar eles de frente, portanto naturalmente retornamos ao mesmo local quando os volumes escoados nos rios se reduzem.
Previsão hidrológica e sistemas de alerta
O ciclo hidrológico é bem conhecido e seus componentes podem ser quantificados em diversas bacias hidrográficas e regiões extensas. O nosso conhecimento nos processos existentes no ciclo hidrológico permite que cenários futuros sejam estimados. Basta conseguir prever algumas variáveis meteorológicas, entender como a cobertura e capacidade de escoamento do solo na bacia hidrográfica é condicionado e a precipitação futura pode ser convertida em vazão futura.
Essa metodologia (simplificada, eu sei) pode ser aprimorada pelo uso de modelos matemáticos. Neste ponto temos:
- Modelos meteorológicos gerando circulação atmosférica, precipitações, temperaturas, magnitude de ventos e etc;
- Modelos hidrológicos gerando escoamento superficial, sub-superficial e subterrâneo em toda uma região de análise (como uma bacia hidrográfica por exemplo); e
- Modelos hidráulicos/hidrodinâmicos detalhando o escoamento e demonstrando todo seu potencial de atingir planícies de inundação (estimando o nível da água) e capacidade de destruição (estimando a velocidade das águas).
Adivinhar o futuro é um tarefa complexa. Se um processo simples como lançar uma moeda para cima e “adivinhar” se o resultado será cara ou coroa já é incerto, imagine prever cenários futuros com todas as variáveis e processos existentes no ciclo hidrológico. De fato os modelos matemáticos atuais não conseguem estimar um futuro coerente com a realidade, pelo contrário, eles estimam vários futuros possíveis e nos dão a responsabilidade de decisão.
Ou seja, não adianta querer que um modelo matemática nos diga exatamente o que vai acontecer amanhã. Entretanto, podemos obter um cenário futuro (com várias opções possíveis) que tenha a maior probabilidade de ocorrência. Este cenário tem diferentes possibilidades…
…. e aqui é onde a coisa começa a ficar complicada para os nossos sistemas de alerta! Como confiar em algo que não me dá uma única resposta, mas várias? Já pensou pedir alguém em casamento e receber cinco respostas diferentes ? Para ilustrar, possíveis respostas a essa pergunta poderiam ser: Sim, Não, Talvez, Se minha mãe deixar ou Se eu estiver vivo amanhã. É enlouquecedor, concorda?
Porque sistemas de alerta não funcionam
Um sistema de alerta decente envolve um complexo sistema de informação interligado, com fibras óticas, computadores, sirenes, torres de celular e notificações em várias mídias sociais e celulares. Em cheias e inundações decorrentes de eventos hidrológicos extremos, o sistema de alerta gera notificações com antecedência permitindo que a população reaja de forma adequada ao evento. Em um mundo ideal, a notificação ocorre num período de tempo razoável e permite que todos evacuem a região de risco sem perda de vidas humanas. Para alguns eventos, a perda de recursos materiais (como infraestrutura urbana e malha rodoviária) não é uma opção.
Sistemas de alerta geralmente integram uma parte dos chamados planos de contingência, que identificam rotas e decisões a serem tomadas a depender dos cenários que são observados durante o evento. Então, sempre uma catástrofe esperada acontece, há um plano de ação claro para ser conduzido durante o evento e um plano de contingência robusto que permite acelerar a retomada das ações cotidianas.
É como manter um rascunho de atividades na carteira para quando o seu celular for roubado. Você não quer que isto aconteça, mas caso o evento ocorra você sabe exatamente para qual banco ligar, qual contato avisar, qual aplicativo acionar e assim por diante.
Agora imagine que sempre que você sai na rua alguém grite: cuidado com o celular! Nas primeiras vezes você se assusta e se protege. Após um tempo você para de acreditar e relaxa, assumindo que por mais que esteja sendo avisado, como nada aconteceu é sinal que é apenas um aviso para criar ansiedade.
Este é o problema com os sistemas de alerta… uma vez que o futuro não pode ser previsto exatamente, apenas um conjunto mais provável de possibilidades, a tomada de decisão precisa ser muito assertiva. Se demorarmos muito sem notificações de alerta, tendemos a esquecer a importância delas. Se damos muitos alertas, para qualquer evento que represente risco, a sensação é que a notificação não representa nada além de algo para criar ansiedade.
Em hidrologia isto acontece sempre que recebemos um aviso do tipo: Alerta de chuva intensa na região A, ou alerta de grandes precipitações na região B. Os alertas ocorrem, mas como os eventos podem não concretizar os riscos previstos pelos modelos matemáticos, vamos tornando-os partes do nosso cotidiano. Apenas mais uma notificação no celular ou mais uma notícia ruim na televisão.
Como garantir a participação social?
Se conhecemos o ciclo hidrológico, temos modelos matemáticos capazes de prever o futuro, e contamos com um sistema de alerta que nos notifica – em celulares e emails – o risco que estamos enfrentando, porque ainda sofremos com perdas de vidas em eventos hidrológicos extremos?
Essa questão não será resolvida aqui, muito menos em um outro fórum que prometa zerar essa equação. É um problema mais profundo e amplo, que talvez demore diversos ciclos hidrológicos para ser profundamente entendido e solucionado. Contudo, tenho uma opinião sobre este tema e ela vem da participação da população no processo de decisão.
Quando recebemos notificações do tipo:
- Amanhã ocorrerá uma chuva de 500mm na região A;
- Os moradores da região B devem se preparar para a cheia do rio X;
- A população da cidade C deve evacuar suas casas devido a cheia do rio X;
Todas estas notificações são relevantes, contudo elas falham ao informar o que devemos fazer de fato. Ora, o que é 500mm de chuva? Um copo de água? Uma cachoeira? Vou me molhar ou apenas pegar um resfriado?
Da mesma forma podemos pensar sobre “se preparar para a cheia”, como eu devo me preparar? Sair de casa? Levantar meu sofá? Colocar pano embaixo da minha porta? Ficar em casa e não ir trabalhar?
No final do dia o cidadão comum fica em casa pois não está claro para ele qual a opção existente. Sair de casa e ir para um ginásio, ser mantido por ajuda de outros… mas ter que pagar as contas no final do mês parece uma situação difícil de resolver. Como comunicar e engajar a população a entender o risco que uma notificação recebida pelo sistemas de alerta de emergência deve ser respeitada e que muitas vezes devemos evacuar e abandonar tudo que temos?
Uma possível resposta é trazer a população para participar de todo o processo de decisão. Apresentar o plano de contingência, discutir as possíveis rotas de fuga, entender os níveis de alerta e manter a consciência vida na cidade são formas de fazer isto acontecer. Mesmo estas opções não garantem que durante o evento as pessoas vão entender a seriedade da situação e evacuar as zonas de risco, devido a características econômicas e culturais que as mantém ali.
Esse processo de educação deve conduzir as populações a conviver com os eventos, entender a sua seriedade e conhecer o que pode ser feito em casos extremos, mesmo que prefeituras e instituições públicas falhem em suas ações.
Educar a população que está presente na área de risco, propor novas soluções e alternativas, demonstrar que o que aconteceu no passado pode acontecer novamente (a hidrologia é cíclica) e principalmente, construir soluções e planos com a participação popular é essencial para que nossos sistemas de alerta funcionem. Para isso, não adianta apenas “mandar um email” ou publicar as informações num website, precisamos colocar mais energia e recursos para que este conhecimento se mantenha renovado e vivo na memória de todos.
Uma vida perdida é inaceitável. O número deve SEMPRE ser zero. Nossos esforços como sociedade devem garantir isto.
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Nossa empresa compreende as necessidades e os objetivos de nossos clientes para seus usos de recursos hídricos. Valorizamos a construção colaborativa dos nossos serviços garantindo que o resultado atenda aos seus desejos. Integrando as necessidades identificadas com as melhores soluções técnicas disponíveis, superamos as expectativas de nossos clientes e fortalecemos nosso relacionamento de longo prazo.
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