O papel da hidrodinâmica nos estudos de capacidade de suporte
Antes de lançar qualquer efluente tratado em um corpo receptor, é preciso responder a pergunta: o corpo receptor tem capacidade de diluir esse efluente sem comprometer sua qualidade?
O termo “qualidade” mencionado acima é amplo. Ele envolve elementos bióticos (comunidades aquáticas – plâncton, peixes etc), físicos (escoamento, enchentes, erosão) e legais (usos preponderantes). Infelizmente, muitos empreendimentos ainda subestimam esta complexidade e tratam o corpo d’água como um “receptor garantido”.
A avaliação de parâmetros qualitativos permite determinar as condições do corpo receptor pós-lançamento. O uso destes parâmetros facilita a investigação e gera resultados diretos, como compará-los a limites pré-definidos por legislações de enquadramento ou classificação de corpos hídricos devido a seus usos, preconizado pela Resolução CONAMA 357/2005. Se alguém ainda não conhece estes parâmetros, são os famosos OD, DBO, P, N e tantas outras siglas que aparece na resolução CONAMA.
De forma prática, a avaliação de capacidade de suporte é simples: Basta calcular a concentração final do corpo receptor após o lançamento. Ou seja, se meu lançamento de efluente tratado gerar uma concentração maior que a esperada no corpo receptor, eu não posso realizar o lançamento. Este cálculo é feito de uma forma muito simples, via balanço de massa.

Neste caso, o rio recebe o efluente tratado pela ETE. Pelo princípio da conservação da massa, a massa de um elemento qualquer no rio antes do lançamento deve ser igual a soma da massa existente nele e do lançamento da ETE. A conta é bem simples e rápida:

E assumindo que a Massa é dada por uma multiplicação entre Vazão e Concentração, temos:


Logo, o balanço de massa é simples e direto.
A conta é simples e depende de variáveis de fácil obtenção: Vazão e Concentração. Os dados da ETE são obtidos pelo dimensionamento ou operação da mesma, com os padrões de emissão projetados ou resultantes após o tratamento.
Contudo, a resposta depende diretamente do conhecimento das características hidrológicas do rio, como vazões mínimas, médias, sazonais e extremas…
Dificultando um pouco mais: Não é apenas a vazão, é a hidrodinâmica
Para ilustrar o problema, imagine um rio que está sempre se movendo. Agora, imagine que alguém joga tinta nesse rio. Temos duas situações:
– Se a água estiver correndo rápido, a tinta vai se espalhar bem longe e se misturar com mais água.
– Mas, se a água estiver parada ou muito devagar, a tinta vai ficar concentrada em um só lugar e deixar a água suja ali por muito tempo.
A hidrodinâmica é fundamental para avaliar os impactos do lançamento de efluentes em corpos hídricos, pois determina como os poluentes serão transportados, diluídos e dispersos ao longo do tempo. A depender das características físicas do corpo receptor — como geometria, declividade, presença de obstáculos, profundidade e regime de escoamento — a água pode apresentar comportamentos muito distintos que influenciam diretamente a eficiência da autodepuração e o alcance dos impactos ambientais.
Em rios de alta energia, o transporte e a diluição tendem a ser mais eficientes devido à maior turbulência e velocidade, o que reduz a concentração dos poluentes em pontos específicos. Já em lagos, reservatórios ou trechos de rio com escoamento lento, pode ocorrer estratificação térmica, retenção prolongada de contaminantes e até recirculação de plumas de poluição — especialmente em situações de vento, maré ou variações de nível. Em sistemas costeiros e estuarinos, os efeitos combinados de marés, salinidade e densidade tornam os padrões hidrodinâmicos ainda mais complexos, exigindo modelos matemáticos específicos.
Então o que fazer?
Retornando ao nosso problema inicial… Quando o modelo matemático de balanço de massa resulta em concentrações abaixo dos limites previstos na legislação, o estudo de capacidade de suporte é muito simples e fácil. O relatório ou laudo que vai para órgão licenciador está praticamente pronto, faltando apenas a perfumaria necessária para transformar os números em informação.
Quando as concentrações resultantes ficam acima dos limites esperados, há a formação de uma zona de mistura. A extensão deste trecho vai depender diretamente do regime hidrodinâmico do corpo receptor. Logo, sua determinação não é tão trivial como muitos empreendedores imaginam (quem nunca fez um orçamento e viu o cliente pular da cadeira…). A solução vem de uma análise detalhada do corpo receptor, seus controles hidráulicos, seu regime hidrodinâmico, e sua capacidade de depurar elementos lançados nele via mistura ou processos.
Como fazemos
Na EcoNumérica temos a expertise de trabalhar com corpos receptores de diferentes características. Desde rios com escoamento livres e unidirecionais, até reservatórios e zonas costeiras e seus escoamentos multidimensionais. O importante é compreender como o processo de mistura ocorre para adequar a melhor ferramenta à solução.
Conhecer um modelo matemático que faça hidrodinâmica e qualidade da água é a parte fácil (por incrível que pareça). Saber qual modelo é o mais indicado (em termos de complexidade, custo computacional e orçamento para o cliente) é que é a parte realmente difícil.
Primeiro passo: Olhar para o corpo receptor
O corpo receptor nos dá muitas informações sobre o “tamanho do problema”. Realizar uma análise rápida considerando um modelo de balanço de massa é mais importante do que imaginamos. A nossa pressa por soluções complexas acaba nos levando a “matar moscas com balas de canhão”, aplicando ferramentas de modelagem matemática complexas a problemas simples (aumentando o custo e o prazo para os clientes).
Caso o modelo simples de balanço de massa resulte em concentrações elevadas, muito diferente das que se espera dentro dos limites legais (enquadramento, usos outorgas, biota, etc), temos que escolher a melhor ferramenta para simular os impactos do lançamento sobre o corpo receptor. Aqui, podemos optar por simulações 1D, 2D e 3D, considerando modelos puramente de qualidade da água ou modelos hidrodinâmicos.
As avaliações mais usuais ocorrem em rios, que possuem escoamento bem-comportado em sua maioria. O cuidado que devemos ter está relacionado aos controles de jusante, que podem ser sinuosidades no rio, reservatórios de água, remansos e/ou refluxos. Estes controles podem nos levar de um modelo simples que analisam processos sob escoamento permanente (Qual2K, Qual-UFMG, etc) a modelos complexos que fazem descrição de escoamento em regime não-permanente (HEC-RAS, IPH-ECO, DELFT).
Segundo passo: Olhar para os dados disponíveis
Imagine o seguinte cenário: O seu cliente vai lançar efluentes tratados num rio de pequeno porte. Contudo, suas análises levaram a conclusão de que o lançamento irá impactar um reservatório ou lago que existe a jusante deste pequeno rio.
Nestes casos, a solução mais robusta é fazer a modelagem do corpo hídrico a jusante, o que pode nos levar a necessidade de simulações bi- ou tri-dimensionais utilizando modelos complexos. Aqui o problema não está no modelo matemático, isto é o mais fácil de escolher e encontrar um profissional habilitado a fazer, o problema está em ter dados suficientes que permitam utilizar este modelo.
Representar corpos hídricos exige, minimamente, a batimetria destes ambientes. Grandes lagos, reservatórios, estuários e zonas costeiras, geralmente não possuem dados de batimetria disponíveis para um grande público (as vezes o dado nem existe de fato!). Mesmo que seja uma região onde a batimetria esteja disponível, é necessário ainda obter dados referentes a afluentes, regime de maré, estruturas hidráulicas e etc.
A escolha da ferramenta computacional envolve diretamente a existência de dados para seu uso. Utilizar um modelo tridimensional num local sem dados não representa ganho de conhecimento, apesar de gerar resultados bonitos.
Aqui, muitas vezes, penalizamos clientes que possem um empreendimento pequeno e necessitam lançar seus efluentes numa área de maior complexidade hidrodinâmica. A importância de conhecer processos e ferramentas gera flexibilidade para conseguir resolver os problemas com soluções elegantes, que reduzam custo e prazo para nossos clientes, mas que mantenham conclusões sólidas sobre os impactos analisados.
Terceiro passo: Escolher a ferramenta certa
Nesta etapa você já deve ter olhado o corpo receptor em detalhes e compreendido sua complexidade hidrológica/hidrodinâmica. Deve também ter vasculhado sites, rede de contato, e repositórios atrás de dados que permitam representar o corpo receptor utilizando ferramentas computacionais (independente da complexidade da ferramenta). Então, resta agora adequar a melhor ferramenta a solução que buscamos.
Corpos receptores formados exclusivamente por rios podem ser representados matematicamente utilizando modelos unidimensionais em regime permanente ou não-permanente (a depender dos controles a jusante). Sistemas formados por rios e lagos/estuários, podem nos levar a necessidade de utilização de modelos bidimensionais (na vertical ou na horizontal). Por fim, sistemas grandes e profundos como reservatórios ou áreas costeiras podem nos levar a necessidade de simulações tridimensionais.
Em todos estes casos, estudos de autodepuração necessitam de resultados referentes a zona de mistura, ou seja, não adianta apenas gerar padrões de circulação e escoamento, precisamos compreender como as concentrações dos diferentes elementos lançados pelas estações de tratamento interagem entre si e com o meio aquático. Desta forma, as ferramentas precisam representar processos hidrodinâmicos e de qualidade da água.
A melhor ferramenta é aquela que sabemos usar! Uma busca rápida sobre modelos de qualidade da água no google e encontramos milhares deles. Alguns possuem uma comunidade de usuários ativa (QUAL2K, HEC-RAS, DELFT3D, WASP, EFDC, etc). Outros possuem características exclusivas que os difere dos demais (IPH-ECO, TUFLOW, TELEMAC e etc).
O importante é encontrar a melhor ferramenta (em termos de custo computacional, prazo e orçamento) que resolva o problema dos nossos clientes.
Quarto passo: Avaliar os impactos
Se chegamos até aqui, conseguimos realizar as simulações da melhor forma possível. O problema agora é determinar a zona de mistura onde os impactos devem ser analisados.
Em rios, a zona de mistura é prioritariamente longitudinal. Sim, pode ocorrer a formação de uma zona de mistura lateral, mas geralmente ela ocorre em poucos metros a jusante do lançamento.
Em lagos, reservatórios e estuários, a formação da zona de mistura não é tão simples de ser avaliada. A circulação hidrodinâmica e os processos químicos e biológicos nestes ambientes pode levar a formação de plumas de dispersão. Ou seja, regiões com extensão indefinida onde o lançamento de efluentes tratados pode causar impactos.
As vezes são regiões pouco extensas, onde o efluente causa impacto pontual. As vezes são grandes regiões, onde os processos demoram a causar depuração do elementos lançados no corpo receptor. A depender da forma desta zona de mistura, podemos calcular comprimento (normalmente em rios), áreas (normalmente em lagos rasos) e volumes (estuários, zonas costeiras e reservatórios).
Independente da extensão da zona de mistura ou da pluma de contaminação, os impactos devem ser analisados da mesma forma. Olha-se os usos da água preponderantes na região que possam estar em conflito com os resultados da modelagem.
Chegando aos “finalmentes”
Nossa empresa atua com estudos de capacidade de suporte em diversos tipos de ambiente, onde a hidrodinâmica pode auxiliar ou dificultar a depuração do efluentes lançados. Recentemente, encerramos uma avaliação de mais de 300 municípios no Rio Grande do Sul para determinar a viabilidade do lançamento de efluentes tratados em diversos corpos receptores do estado.
Este case teve como principal complexidade a quantidade de ferramentas computacionais utilizadas, que contaram com modelos matemáticos de qualidade da água para bacias hidrográficas, para rios, lagos, reservatórios e estuários. Foram realizadas simulações uni-, bi- e tri-dimensionais e os impactos de cada lançamento foram avaliados para diferentes cenários de operação das estações de tratamento.
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Nossa empresa compreende as necessidades e os objetivos de nossos clientes para seus usos de recursos hídricos. Valorizamos a construção colaborativa dos nossos serviços garantindo que o resultado atenda aos seus desejos. Integrando as necessidades identificadas com as melhores soluções técnicas disponíveis, superamos as expectativas de nossos clientes e fortalecemos nosso relacionamento de longo prazo.
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