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Balanço hídrico e suas peculiaridades

Este artigo faz parte de uma coleção de textos sobre disponibilidade hídrica que vem sendo publicados. Para acessar as publicações anteriores e entender o contexto dele nos estudos de disponibilidade hídrica, veja os links abaixo:

  1. Um negócio chamado Disponibilidade Hídrica
  2. O desafio de quantificar Disponibilidade Hídrica
  3. O problema com as vazões de referência

Entendemos o conceito como um resultado conclusivo quanto ao volume remanescente nos rios mesmo após todos os seus usos serem quantificados. Desta forma, o balanço hídrico compõe estudos de disponibilidade hídrica e permite que tomadores de decisão entendam os impactos dos múltiplos usos da água existentes e permite um planejamento que contemple a todos os usuários deste recurso.

O que é um balanço hídrico

De forma simples e direta, o balanço hídrico é uma ferramenta que permite avaliar o volume da água resultante após quantificar todos os seus usos. É similar a um balanço de processos, como os que estudamos em física: balanço de massa, balanço de energia, balanço de forças e assim por diante. Nestas situações, geralmente existe uma unidade de avaliação e nesta unidade são identificados e quantificados todos os processos que geram e consomem o recurso avaliado. Na figura abaixo tem um exemplo de balanço de massa com suas entradas e saídas.

Para fins de planejamento de múltiplos usos da água, consideramos a bacia hidrográfica como unidade de avaliação. Logo, mapeamos todos os processos que geram e consomem água numa bacia hidrográfica e quantificamos suas parcelas. É como avaliar um fluxo financeiro de uma empresa ou de uma pessoa. Recebemos nossos salários, que são a principal entrada ou fonte de dinheiro dentro do mês e descontamos nossas contas, nossos gastos com alimentação, transporte, moradia, lazer e etc. Se gastamos mais do que recebemos, entramos em déficit e precisamos de empréstimos. Se gastamos menos, temos dinheiro sobrando no final do mês que pode ser utilizado para outros fins, como investimentos.

O balanço hídrico utiliza os mesmos conceitos que o fluxo de caixa pessoal ou empresarial. Temos uma entrada de água que geralmente é por precipitação direta sobre a bacia hidrográfica que se converte nas vazões que escoam nos rios. Outras entradas podem ser devido ao lançamento de efluentes tratados ou transposições de água de outras bacias hidrográficas. As saídas podem ser devido a irrigação, captação para abastecimento, evaporação (ou evapotranspiração), infiltração para o subsolo e outros usos que consomem água do ecossistema.

Contudo, diferente do fluxo de caixa onde uma situação deficitária não é desejada, mas pode ser tolerada, pois ao longo do ano o acúmulo de dinheiro em caixa pode compensar meses deficitários, no balanço hídrico a falta d´água pode gerar resultados intoleráveis. A água é um recurso nobre que é necessário para sobrevivência não apenas de humanos, mas de todo o ecossistema físico e ecológico existente numa bacia hidrográfica.

Para exemplificar, imaginem ficar sem água em casa e escalem isso para toda uma empresa ou para toda uma região que contém diversas casas, indústrias e forma cidades. A falta d’água possui um impacto enorme e não há uma conta corrente que permita ficar sem água por determinando período sem causar impactos grandes.

Detalhando o balanço hídrico

Para detalhar o balanço hídrico e seus possíveis usos vou utilizar quatro exemplos de diferentes escalas, considerando processos que se integram, mas que possuem conceitos independentes:

  • Balanço hídrico atmosférico;
  • Balanço hídrico em bacias hidrográficas;
  • Balanço hídrico em reservatórios;
  • Balanço hídrico em indústrias e operações;

Balanço hídrico atmosférico

Neste caso temos um balanço hídrico composto por duas variáveis que resultam em uma terceira: Q = P – EVP. Ou seja, este balanço resulta numa estimativa de vazão (Q) escoando em rios que depende unicamente da Precipitação (P) ocorrendo numa determinada região e a capacidade de Evapotranspiração (EVP) desta mesma região.

Este tipo de balanço simplificado é utilizado para avaliação de estudos agronômicos e meteorológicos pois dá um resultado simples e rápido acerca das tendências de disponibilidade hídrica existentes na área de avaliação. Além disso, como depende apenas de variáveis atmosféricas, há diversos modelos climáticos regionais e locais que geram estas informações com razoável assertividade, o que permite a extensão das análises para cenários futuros.

O balanço hídrico atmosférico é uma ferramenta interessante do ponto de vista da gestão e planejamento futuro em recursos hídricos. Ela aponta tendências de aumento ou redução na disponibilidade hídrica com base no regime de precipitação estimado por satélites ou mesmo observado na atmosfera. Devido a sua simplicidade, desconsiderando processos hidrológicos específicos, é de fácil obtenção, mas impede sua utilização quando é necessário avaliar múltiplos usos da água.

Balanço hídrico em bacias hidrográficas

O balanço hídrico em bacias hidrográficas utiliza os mesmos processos existentes no balanço atmosféricos, mas detalha os processos superficiais para permitir a quantificação de diferentes parcelas ou usos da água. Neste cenário, a diferença entre Precipitação e Evapotranspiração resulta num volume de água disponível na superfície do solo de uma bacia hidrográfica. Este volume, antes de virar escoamento em rios e permitir a quantificação de disponibilidade hídrica, passa por processos hidrológicos que ocorrem na superfície do solo.

Antes de virar escoamento em rios a água precipitada sobre a bacia hidrográfica pode: i) infiltrar, ii) percolar, ou iii) escoar superficialmente. Infiltrações e percolações permanecem no ecossistema, gerando os lençóis freáticos e fluxos subterrâneos que podem retornar aos rios ou escoar para oceanos (ou mesmo serem bombeados para abastecimento e outros usos). Estes fluxos geram nascentes e olhos d’água que em muitos casos são o início das redes de drenagem superficiais (ou os rios, como os conhecemos). As águas que escoam pela superfície das bacias hidrográficas atingem os rios e se tornam parte do volume disponível para usos múltiplos em bacias hidrográficas.

Observação: Como explicado acima, este processo pode parecer simples e rápido, mas envolve diversos outros conceitos que não vamos abordar neste artigo, como: tempo de concentração, hidrogramas, fluxos subterrâneos e taxas de recarga dentre outros.

Uma vez que conseguimos quantificar o volume que escoa em rios, é possível realizar o balanço hídrico de uma bacia hidrográfica com base em seus múltiplos usos da água. Para ordenamento e avaliação dos usos, geralmente os dividimos em usos consuntivo, ou seja, aqueles que alteram a quantidade de água disponível (exemplo: captações e lançamentos) e não-consuntivos, ou sejam que utilizam a água mas não impactam sua quantidade (exemplo: navegação e lazer).

Como instrumento de legislação e manutenção de vazões remanescentes que respeitem as principais funções hidrológicas e ecossistêmicas envolvidas em bacias hidrográficas, o balanço hídrico nestes ambientes respeita vazões de referência que devem ser mantidas independente dos múltiplos usos existentes. A vazão de referência usualmente determinada como vazão remanescente a ser mantida escoando em rios é a Q95. Ou seja, uma vazão baixa que seja igualada ou excedida pelo menos 95% do tempo para aquele rio ou bacia hidrográfica em análise.

O detalhamento do uso de vazões de referência para planejamento de processos dinâmicos foi explorado num artigo anterior (O problema das vazões de referência).

Uma vez que todos os processos hidrológicos, volumes disponíveis e usos são identificados e quantificados, é possível realizar um diagnóstico e um prognóstico de uso dos recursos hídricos existentes na bacia hidrográfica. Discutiremos isso em publicações futuras.

Balanço hídrico em reservatórios

Talvez o exemplo mais palatável para quem estuda hidrologia e hidráulica seja referente a unidades hidráulicas como reservatórios, cavas de mineração, lagos ou lagoas. Vamos focar neste exemplo por ser uma unidade de reservação de água com dimensões menores que uma bacia hidrográfica e onde a identificação e quantificação dos usos é mais direta e simples.

Em reservatórios de grande área superficial, o balanço hídrico vertical na superfície do reservatório, ganha relevância no balanço como um todo. Neste limite, há uma parcela de entrada de água devido a precipitação direta e uma parcela de remoção de água devido a evaporação direta, ambas sobre o reservatório. Ainda, dependendo das condições hidrogeológicas do local, há uma parcela de água que infiltra para o lençol freático ou um fluxo subterrâneo que abastece o reservatório.

Independente se o fluxo é positivo (abastecimento) ou negativo (infiltração), a contribuição do fluxo subterrâneo para o balanço como um todo tende a ser desprezível em alguns casos.

Além dos processos verticais, o balanço hídrico em reservatórios também considera a vazão afluente natural, dos rios onde o barramento está localizado. Esta parcela é considerada um fluxo positivo, ou seja, uma entrada de água para o reservatório (talvez a mais importante). As parcelas de saída são devido a operação do reservatório, que podem ser fluxos devido a turbinamento, vertimento ou extravasamento, descargas de fundo e outras formas de operação do reservatório. Há também a possibilidade de haver captação de água em reservatórios (saída) e lançamento de efluentes tratados (entrada) que devem ser considerados no balanço hídrico dessas unidades.

Balanço hídrico em plantas e unidades industriais

Por último, mas não menos importante, há balanços hídricos localizados em plantas e unidades industriais como um todo. Nestes ambientes o balanço hídrico, novamente, respeita os processos de entrada (geração de água) e saída (consumo de água), mas há um processo relevante que deve ser considerado também: o reuso de água.

Em bacias hidrográficas a água utilizada para irrigação pode retornar por escoamento superficial ou subterrâneo e a água utilizada para captação pode retornar como lançamento de efluentes tratados. Este processo de reuso também é identificado em escalas menores, como as existentes em plantas e unidades industriais, mas ocorre numa velocidade bem mais relevante que em bacias hidrográficas.

Nestes ambientes são comuns a existência de programas de gestão de recursos hídricos que identificam os principais consumos e como a água pode ser reutilizada internamente, afinal, quanto menor o consumo de água na operação da unidade menor é o custo para obtenção deste recurso. Atualmente vem se trabalhando também com planos de contingência para momentos de falta d’água, permitindo que a unidade industrial continue seu funcionamento mesmo em cenários de estiagem e/ou falta de água devido a problemas de distribuição.

Quais desafios enfrentamos ao estimar balanço hídrico?

Ao estimar um balanço hídrico, independente da escala que atuamos, alguns desafios são recorrentes:

  • Representação de processos complexos de forma simplificada;
  • Falta de dados que permita estimar a vazão natural escoando em rios;
  • Falta de informações acerca dos usos da água existentes;
  • Dificuldade no gerenciamento e fiscalização dos usos;

Todos esses elementos vêm sendo trabalhados por meio de pesquisas científicas e/ou melhorias nos métodos de gestão dos recursos hídricos. Apesar de ser um esforço de melhoria contínuo, ainda há lacunas de conhecimento e dados que dificultam a correta estimativa do balanço hídrico e, por consequência, da disponibilidade hídrica em diversas unidades de análise.

Muitas vezes temos dados com qualidade e quantidade suficientes, mas não temos o conhecimento do processo que permita representar os dados da maneira mais eficiente. Algumas vezes conhecemos os processos, mas nos faltam os dados para corroborar o que está sendo representado. Em algumas situações temos os dados e os processos mapeados e conhecidos, mas nos faltam informações relevantes sobre os usos existentes da água. E mesmo quando temos todos os elementos, podemos ainda nos deparar com situações em que a fiscalização é um desafio e muitos dos usos e volumes quantificados na verdade são incoerentes com a realidade.

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