Como me adaptar as mudanças climáticas?

O problema das mudanças climáticas é que não sabemos tomar boas decisões durante catástrofes climáticas. Não estamos preparados para o que pode acontecer, pois não temos o conhecimento necessário para isto. Anomalias climáticas são conhecidas. O impacto do desenvolvimento humano na aceleração dos ciclos climáticos é conhecido. Mesmo assim, somos pegos de surpresa e ficamos “vendidos” quando as situações que todos já discutem, alertam e conhecem, de fato acontecem.

A recente catástrofe climática no Rio Grande do Sul é apenas o exemplo mais recente de uma série de eventos extremos que acontecem ao redor do mundo, e que podem continuar a acontecer no Brasil. O que se observou foi uma falta de preparo em gestão de crise, sem planejamento, atuações emergenciais e comunicação entre gestores, decisores e a população, que sofria com os impactos de forma nunca antes vista. Mesmo semanas após o evento ainda há gestores e decisores preso na inercia ao dizer: “é algo novo, ainda precisamos aprender, temos que pensar antes de reconstruir”. A verdade é que estas falas são aceitáveis para quem não compreende os riscos climáticos, mas inaceitáveis para quem atua na área.

Gestão de crise, controle de narrativa, plano de contingência, plano de ações e continuidade de operações/negócios são termos comuns usados por gestores de risco. Estes profissionais atuam em diversas empresas e se destacam principalmente no mundo dos investimentos, onde o risco associado a um mal investimento deve ser conhecido, bem como o retorno dado no caso do risco não se efetivar. Esta análise, que para todos que investem na bolsa ou mantém seu dinheiro parado no banco é trivial, parece ser algo inovador e desconhecido para quem gere a operação e o dia de empreendimentos como indústrias, empresas e até municípios.

Estar preparado para eventos climáticos não elimina os prejuízos decorrentes dele. A frase: “para que eu quero saber isto se vou perder todo meu trabalho igual no final” pode ser muito coerente para alguns, mas não deve nunca ser utilizada como mantra para quem toma decisões que envolvem o desenvolvimento de algo. Se você é um gestor ou decisor nas condições que mencionei acima, ou se está lendo este texto por curiosidade, fique tranquilo! Abaixo segue uma forma consistente de analisar seus riscos aos desastres climáticos e mitigar seus impactos num longo prazo.

1. MONTE UMA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR

A equipe de análise deve ser preferencialmente formada por profissionais de diversas áreas de conhecimento. Indica-se a construção de um grupo coeso formado por profissionais com formação em: meteorologia, direito, geotecnia, geologia, biologia, sociologia, comunicação social, recursos hídricos e especialistas em modelagem e programação científica. Caso esta equipe seja muito dispendiosa para a análise, sugere-se um conjunto mínimo profissionais que entendam de: mudanças climáticas, geotecnologia, levantamento de risco e modelagem matemática em recursos hídricos.

Um complemento a equipe principal que pode ser considerado também é a identificação e mobilização de atores-chave na bacia hidrográfica. São exemplos os representantes de municípios e de grandes empresas, grupos de usuários para pesca ou turismo e assim por diante. Estes atores vão gerar insights importantes sobre os impactos atuais e como os recursos hídricos vem se alterando nos últimos anos.

1.1. ENTENDA O PROBLEMA

Uma análise de risco completa pode ser dispendiosa e desnecessária em muitos casos. O ideal é compreender a operação que se deseja avaliar, em termos de escala espacial e temporal, e criar hipóteses que serão avaliadas posteriormente. Por exemplo, uma fábrica que realiza captação de água superficial direta em um rio dificilmente terá problemas com o aumento das rajadas de vento e radiação solar incidente. Entretanto, terá problemas sérios caso as precipitações reduzam seu volume anual e cenários de secas prolongadas sejam observados.

Na construção das hipóteses a equipe multidisciplinar deve olhar com calma a cadeia de operações. Uma dica é mapear a operação num processo representativo, como o SIPOC, sigla para Suppliers, Inputs, Process, Outputs e Clients:

  • Suppliers (fornecedores): são os distribuidores que abastecem a empresa com o que ela precisa para executar seus processos, por exemplo, matéria-prima;
  • Inputs (entradas): elementos que fazem processo ter início;
  • Process (processo): atividades envolvidas no fluxo de trabalho;
  • Outputs (saídas): resultados esperados no final do processo;
  • Clients (clientes): quem recebe as entregas da empresa, ou seja, o resultado do que foi executado ao longo do workflow.

Há outras formas de identificar processos e cadeia de produção. Independente da forma como é feito, o questionamento que precisa ser respondido é o mesmo:

  • Qual o potencial impacto na operação no caso da variável XXX mudar seu comportamento?

Podemos fazer o mesmo exercício para vento, insolação, precipitação, vazões, nível da água, correntes hidrodinâmicas e assim por diante.

2. COLETE E ANALISE OS DADOS DISPONÍVEIS

Esta etapa é construída com base na área de estudo. A presença de dados no empreendimento onde o estudo será realizado é importante, mas lembre-se que bacias hidrográficas de grande extensão possuem elevada heterogeneidade espacial em suas condições climáticas. É importante avaliar os limites da bacia hidrográfica e coletar dados além das suas fronteiras, buscando caracterizar o regime hidrológico em suas cabeceiras. Geralmente, um buffer de alguns quilômetros (20 ou 25) além da área de drenagem da bacia é suficiente.

Em muitas bacias hidrográficas os dados faltantes podem ser um problema. Falhas, inconsistências e mesmo a falta de monitoramento podem atrapalhar as análises. Contudo, temos que partir do pressuposto que a falta de dados de entrada não deve impedir a realização do estudo. A incerteza gerada pela falta de dados deve ser incorporada nos resultados e conclusões obtidas.

Aqui um ponto relevante é compreender junto aos principais atores como o conhecimento empírico pode representar informações valiosas para a análise. Históricos de cheias, precipitações intensas, estiagens e secas, bem como impactos referentes a obras realizadas, pode ajudar na hora de interpretar os resultados que serão obtidos. É importante ter em mente que o conhecimento técnico, com base em dados, é complementado pelo conhecimento empírico, com base na experiência de quem convive com os recursos hídricos no local. Não é necessário substituir uma informação por outra, mas contemplar ambas pode dar bases robustas para as conclusões futuras.

2.1. MONITORAMENTO HIDROLÓGICO

Os dados de monitoramento climático, hidrológico e oceanográfico (quando necessário) devem ser obtidos com base em estações disponibilizadas por entidades como ANA, INMET, CEMADEN e Marinha do Brasil. Estas bases podem, e devem, ser combinadas com dados obtidos em outros levantamentos operados e disponibilizados por entes privados, quando disponíveis. Na ausência de dados monitorados ou na existência de muitas falhas no monitoramento, o conjunto de dados pode ainda ser consolidado por produtos de sensoriamento remoto e dados de reanálise.

Ressalta-se que o uso de dados, independente da sua fonte, deve passar por uma etapa rigorosa de análise de consistência. Esta análise permite identificar erros bruscos ou sistemáticos no banco de dados ao confrontar regiões específicas contra o comportamento regional da variável analisada. É importante que a análise identifique erros e outliers na série, corrija-os ou incorpore sua incerteza nas análises. Um cuidado a mais deve ser dado ao preenchimento de falhas, uma vez que quanto amis dados são preenchidos, maior o viés que é adicionado aos dados. Dados obtidos por sensoriamento remoto e reanálise devem ainda passar por uma etapa de avaliação e tratamento de viés, quando observado.

O período de análise é um critério que pode gerar incertezas na análise. A escolha conservadora de pegar toda a série histórica (as vezes compreendendo 100 anos de dados) dá segurança que todos os regimes monitorados serão considerados. Por outro lado, ela pode ser representativa de condições de uso e ocupação do solo, que impacta diretamente o clima e os recursos hídricos, não condizentes com a realidade local. Tradicionalmente opta-se por utilizar um conjunto de 30 anos de dados recentes para estas análises. Contudo, esta escolha deve ser feita de forma criteriosa em análise conjunta de toda a equipe, pesando os prós e contras de eliminar anos passados fora do horizonte escolhido.

A tabela abaixo apresenta algumas fontes de dados que podem ser consultadas para realizar as análises. Estas bases, de acesso público, podem ser complementadas com bases privadas obtidas na região de estudo.

2.2. PROJEÇÕES CLIMÁTICAS

As projeções climáticas são realizadas por rodadas de diversos modelos de clima. Segundo o IPCC, estas avaliações devem utilizar o número máximo possível de modelos, seguindo a chamada abordagem multimodelos (ou multi-model). A depender da área de drenagem da bacia hidrográfica, é importante considerar uma redução de escala (conhecido como downscalling) que busca transformar a resolução espacial de modelos globais (tipicamente 100×100 km) para escalas mais refinadas (por exemplo, 30×30 km). Projeções climáticas em escalas locais (por exemplo, em metros) até podem ser obtidas, mas o uso de inteligência artificial é mais indicado. Em hipótese alguma deve-se apenas interpolar dados em escalas grosseiras para escalas refinadas considerando apenas um re-sample das informações. Atualmente, há bases de dados disponíveis em escalas globais e regionais, sem a necessidade de downscalling a cada aplicação.

Algumas fontes de dados de projeções climáticas são apresentadas na tabela a seguir. Lembre-se que, assim como os dados discutidos anteriormente, estas fontes de dados podem apresentar viés que devem ser analisados e tratados.

2.2.1. CENÁRIOS DE PROJEÇÕES

As projeções climáticas consideram diferentes cenários de emissões de gases de efeito estufa. No início, estes cenários eram chamadas Representative Concentration Pathway (RCP), porém, atualmente as versões mais recentes se chamam Shared Socioeconomic Pathways (SSP). A mudança se dá pela ênfase no fato de que os cenários futuros dependem do desenvolvimento econômico em conjunto. Ambos os conjuntos possuem um total de 5 classes, ou caminhos, que representam diferentes níveis de emissões.

A maioria dos estudos avalia mudanças climáticas pelos cenários SSP2-4.5 e SSP5-8.5, representativos de condições mais prováveis (SSP2-4.5) e condições pessimistas (SSP5-8.5). Para conhecimento, o SSP1-1.9 está ligado diretamente as metas do Acordo de Paris, enquanto o SSP1-2.6 assume que as metas serão atingidas, mas numa velocidade menor a assumida no cenário anterior. O cenário SSP3-7.0 entende que o futuro é pessimista, mas que o aumento na emissão não é tão acelerado quanto o assumido no cenário SSP5-8.5.

Os cenários de mudanças climáticas possuem incertezas (vejam que isto é comum a todos os passos da análise) e devem ser estimadas. A metodologia mais usual é o uso de um conjunto de modelos (multi-model ensemble) que permite avaliar diversos cenários e suas incertezas. Considerar apenas o valor médio pode levar a negligência de informações importantes. Desta forma, recomenda-se verificar o nível de concordância dos modelos quanto ao sinal de mudança média e estipular uma proporção mínima de concordância (por exemplo, 70% dos modelos). Esta análise não é diretamente proporcional a média e permite que incertezas sejam avaliadas com maior rigor.

A tabela abaixo apresenta os cenários de mudanças climáticas projetados e sua descrição.

2.3. ANÁLISE DE TENDÊNCIAS E ÍNDICES

2.3.1. ÍNDICES CLIMÁTICOS – ETCCDI

A avaliação de projeções climáticas pode ser realizada de diversas formas. Especificamente para precipitação, alguns índices são utilizados para padronizar e verificar tendências com maior facilidade. A tabela abaixo apresenta índices disponibilizados pelo ETCCDI (Expert Team on Climate Change Detection and Indices) para verificação de mudanças climáticas. Para secas, pode-se utilizar o índice RAI (Rainfall Anomaly Index) e SPI (Standard Precipitation Index).


2.3.2. ANÁLISE DE TENDÊNCIA: MANN-KENDAL

Séries temporais podem ser classificadas em estacionárias e não-estacionárias. Num cenário de análise ideal, todas as séries de todas as variáveis analisadas seriam estacionárias, ou seja, a tendência em todo o conjunto de dados seria a mesma. Contudo, se este fosse o caso, não estaríamos trabalhando com mudanças e/ou anomalias climáticas. O uso de séries não-estacionárias e sua análise de tendências é uma atividade complexa. Se faz necessário separar os períodos, analisar sua consistência e verificar suas tendências individualmente.

A análise de tendências em séries históricas e projeções climáticas é feita com uso de métodos como o Teste de Mann-Kendall, que avalia se uma série de dados possui uma tendência de alteração estatística significativa ao longo do tempo. A análise de séries de dados e indicadores pelo método de Mann-Kendall permite avaliar se o aumento ou redução na frequência da série é significante ou não, do ponto de vista estatístico. Analisar indicadores e tendências, sem testes estatísticos robustos, não permite que conclusões sejam traçadas a partir das análises de comportamento das séries históricas e projetadas.

2.3.3. CHANGE FACTOR

Uma vez que reunimos: Uma série de dados consistida, projeções climáticas consistentes, índices climáticos e tendências, estamos prontos para analisar como estas projeções climáticas se transformação em mudanças climáticas de fato. Inúmeros métodos permitem traçar esta conclusão, mas aqui vamos focar em um método simples, chamado Change-Factor. O método consiste em somar a climatologia observada com a anomalia futura, sendo descrito pelas seguintes equações:

= SSP – HIST

(1)

Cenário = OBS +

(2)

Onde  é a variação entre o cenário projetado e o histórico; SSP é a climatologia da variável de interesse no cenário futuro projetada pelos modelos climáticos; HIST é a climatologia da variável de interesse no cenário histórico projeta pelos modelos climáticos; e OBS é a climatologia da variável de interesse obtida a partir de dados monitorados.

3. MONTE SEUS MODELOS MATEMÁTICOS

A utilização de modelos matemáticos permite que os dados e indicadores estimados para o futuro sejam transformados em problemas reais. Esta etapa é opcional e depende das análises sendo realizadas. Para problemas relacionados a água, a conversão de meteorologia em níveis e vazões faz sentido. Contudo, este pode não ser o caso para outras análises como problemas decorrentes de vento, insolação, umidade e afins. Na sequência são exemplificados dois tipos de modelagem matemática usuais na avaliação de risco hidrológico.

3.1. MODELO HIDROLÓGICO

Bacias hidrográficas recebem a precipitação da atmosfera e a transformam em escoamento superficial. O processo que converte precipitação em vazão é complexo, envolvendo interceptação, infiltração e etc. Para avaliar os riscos que as mudanças climáticas trazem para bacias hidrográficas é indicado o uso de modelos de transformação de chuva em vazão. Existem diversos modelos disponíveis e com aplicações para qualquer tamanho de bacia hidrográfica.

Sempre que possível é mais correto utilizar modelos distribuídos de base física, que conseguem representar processos hidrológicos em larga escala e durante múltiplos eventos. Estes modelos, no entanto, apresentam maior complexidade de parâmetros e o processo de calibração/validação se torna moroso. Para fins de aplicação, modelos simples como SCS-CN e mesmo modelos com interface complexa como o HEC-HMS são indicados para realizar a modelagem matemática de bacias hidrográficas e a conversão de precipitação em vazão.

No Instituto de Pesquisa Hidráulicas, da UFRGS, há modelos distribuídos e concentrados de base física, como o modelo MGB-IPH e o modelo IPH-II. Ambos representam escoamento em bacias hidrográficas, com o MGB-IPH tendo o diferencial de representar escoamento em múltiplas sub-bacias, de forma semi-distribuída. Independente do modelo utilizado, o processo de análise é o mesmo:

  • Calibração e Validação do modelo – Uso de dados históricos;
  • Rodada do modelo com cenários futuros – Uso de dados de modelo climático;
  • Avaliação de mudanças climáticas sobre as vazões;

Observe que o processo de calibração envolve uma camada a mais de dados que não havíamos trabalhado até o momento, os dados de vazão obtidos de monitoramentos fluviométricos na bacia de interesse. No caso de ausência destes dados, os modelos podem ser calibrados em bacias maiores (de preferência que contemplem a bacia de interesse) ou parâmetros regionais podem ser considerados (uma distribuição de parâmetros calibrados em bacias com características similares e dados monitorados).

Pequenas bacias podem ainda considerar modelos de dados obtidos com uso de inteligência artificial para realizar a conversão da chuva em vazão e gerar cenários futuros.

Uma vez que cenários futuros são projetados para um horizonte longo (em torno de 100 anos), as simulações de modelos hidrológicos podem tornar o processo muito lento. Logo, sugere-se o uso de séries futuras sintéticas obtidas por métodos como Change Factor apresentado aqui (reduzindo o horizonte de simulação de 100 para 30 anos, por exemplo). Para análise de vazões máximas, interesse quando há risco a inundações, há métodos de análise adaptados que maximizam o Change Factor para considerar valores máximos.

Uma forma completa e conservadora de realizar esta análise é simular todos os modelos utilizados para a projeção futura, e seus cenários de desenvolvimento, e estimar vazões para cada um deles. Este conjunto multi-modelos de séries de vazão numa bacia hidrográfica pode ser avaliado da mesma forma explicada no item 2.3.

Os resultados obtidos pela simulação de modelos hidrológicos representam a disponibilidade hídrica quantitativa e qualitativa em bacias hidrográficas.

3.2. MODELO HIDRODINÂMICO

A abordagem apresentada no item 3.1 pode ser replicada para simular processos específicos em rios, lagos, reservatórios, estuários e zonas costeiras. A diferença é o tipo de modelo matemática utilizado, que nestes casos, é um modelo hidrodinâmico completo. O processo de calibração/validação se mantém, mas a simulação de cenários futuros fica limitada a capacidade computacional dos equipamentos disponíveis.

Como exemplos destes tipos de modelos temos o HEC-RAS, DELFT, IPH-ECO, EFDC, FLO-2D, RiverFlow e diversos outros.

Os resultados obtidos pela simulação de modelos hidrodinâmicos representam a disponibilidade hídrica quantitativa e qualitativa em ambientes específicos. É possível avaliar potencial erosivo, manchas de inundação, impactos na qualidade das águas e fluxo de sedimentos em cenários futuros de mudanças climáticas.

4. FAÇA A AVALIAÇÃO DE RISCO

4.1. ANÁLISE DA CADEIA DE IMPACTOS

Tendências negativas ou positivas, aumento ou redução de índices, modelagem matemática e outras formas de análise devem conduzir as conclusões para entender melhor os impactos dos eventos climáticos na região de interesse. Não adianta estimar possíveis anomalias e mudanças climáticas futuras se não soubermos os problemas que eles causam de antemão. Desta forma, é necessário que a equipe técnica responsável use sua multidisciplinariedade para compreender e determinar a cadeia de impactos que o cenário futuro mais provável causa nas operações de empreendimentos.

Construir esta cadeira de impactos é algo difícil, que exige uma visão holística sobre o tipo de operação sendo desenvolvido e sua relação com recursos hídricos. O resultado final é uma ferramenta analítica que ajuda a compreender, sistematizar e priorizar os fatores que impulsionam o risco. Geralmente as cadeias de impacto possuem uma estrutura semelhante: um sinal climático (por exemplo, cheias ou estiagens) que podem levar a um impacto físico direto (por exemplo, a parada nas operações de uma indústria), e causam uma sequência de impactos intermediários (por exemplo, desemprego, déficit tarifário, migração de pessoas para outros locais). Finalmente, devido a vulnerabilidade dos elementos expostos, se determina um risco (ou múltiplos riscos). Uma cadeia de impactos é geralmente composta por componentes de risco (ameaça, exposição e vulnerabilidade) e fatores decorrentes deles.

A identificação de possíveis impactos devido a mudanças climáticas deve ser feito de forma clara e objetivo, ou seja, deve ter um limiar numérico específico em que as condições climáticas impactam e resultam em risco para as operações. Por exemplo, em bacias hidrográficas, mudanças climáticas causadas por cheias e estiagens são um problema. Mas qual é o comportamento das chuvas, e consequentemente vazões, que geram uma cheia que representa um risco alto na região? Quantos meses de estiagem são necessários para iniciar um processo de disponibilidade hídrica para múltiplos usos da água?

Os limites mencionados acima são necessários para uma correta avaliação de risco frente a mudanças climáticas. Sua determinação é feita pela equipe multidisplinar, explorando situações históricas ou simulando diferentes cenários possíveis para sua determinação. É responsabilidade da equipe determinar as principais variáveis (por exemplo, chuva, vento, temperatura do ar, altura da maré) e os limiares que casam danos e prejuízos (por exemplo, chuvas acima de 100 mm por três dias seguidos provocando extravasamento de rios).

A tabela abaixo apresenta um exemplo de limiares de chuva para alertas de risco a deslizamentos. O mesmo pode ser construído para dias de vento e seu impacto na navegação. Aumento em níveis de rios e seus impactos em enchentes. Dias de precipitação e vento e seus impactos em indústrias.

4.2. CONSTRUÇÃO DA MATRIZ DE RISCO

4.2.1. PROBABILIDADE DA AMEAÇA

Uma ameaça se torna um risco apenas se ela ocorrer com frequência consistente. Casos isolados são suportados pelo sistema. Por exemplo, a falta d’água por algumas horas não para a operação de uma empresa, que deve possuir um sistema de reservação ou mesmo bombeamento para estes momentos. Contudo, a falta d’água persistente por uma semana, pode resultar em falhas na operação de qualquer empreendimento.

A ideia desta etapa é estimar a probabilidade de ocorrência de eventos climáticos de impacto negativo a operações. Esta análise é feita com base nos limiares identificados nas etapas anteriores. Aqui, é necessário avaliar a probabilidade do impacto acontecer tanto nos cenários de dados observados quanto nas projeções climáticas futuras. A probabilidade é função da frequência de ocorrência de um determinado evento. A equação abaixo demonstra como ela é calculada:

Onde P é a probabilidade estimada (em %); o é o número de ocorrências do impacto num determinado período (devido aos limiares determinados anteriormente); e N é o período analisado. Por exemplo, uma chuva de 100mm diários que ocorre uma vez a cada ano (50 ocorrências) numa série de 50 anos (ou 18.250 dias) possui uma probabilidade de 0,3% de ocorrência. Se esta mesma precipitação ocorresse 200 vezes por ano (10.000 ocorrências) ela possuiria uma probabilidade de 54,8%.

Uma vez que estamos considerando diferentes cenários e modelos de projeções futuras, é importante avaliar a coerência dos resultados entre os diferentes modelos utilizados. A análise de probabilidade deve contar com a avaliação do percentual de alinhamento entre todos os modelos avaliados. A tabela abaixo traz um exemplo desta análise.

Após analisar as probabilidades, é importante definir uma escala em diferentes intervalos. Usualmente, utilizam-se os intervalos: i) Muito Raro; ii) Raro; iii) Ocasional; iv) Frequente; v) Muito Frequente. A nomenclatura pode variar, mas a ideia é ter uma análise que permita identificar a probabilidade as ameaças ocorrem em classes. A divisão da escala de probabilidade deve seguir uma distribuição replicável, como a distribuição normal, exponencial, logarítmica, quartis e etc. É importante esclarecer qual distribuição foi considerada ao classificar as probabilidades. A tabela abaixo traz um exemplo desta classificação.

A etapa final é construir uma pontuação de probabilidade. Abaixo segue uma tabela exemplificando este passo.

4.2.2.  SEVERIDADE DA AMEAÇA

A severidade é compreendida como a consequência que determinado evento climático causa numa estrutura ou operação. A definição da escala da severidade é uma etapa importante na análise de risco, e deve ser realizada com base em dados registrados. Ou seja, deve existir um monitoramento de magnitudes contra danos causados ao longo do tempo. Em casos onde este banco de dados esteja em construção, ou não esteja disponível, o conjunto de profissionais envolvidos com a análise de risco deve argumentar e decidir patamares e danos causados pelos eventos climáticos, sugerindo a severidade dos eventos sobre as operações e estruturas. A Tabela abaixo apresenta um exemplo de escala de severidade para cheias ribeirinhas.

Em conjunto com a equipe é possível avaliar como riscos climáticos se traduzem em problemas operacionais e estruturais no ambiente analisado. A Tabela abaixo apresenta um exemplo de análise que pode ser feita considerando o mesmo exemplo anterior (inundações ribeirinhas).

A construção da severidade da ameaça é feita com base na escala de severidade e nos danos identificados. O importante é avaliar como os danos identificados resultam em problemas, e principalmente, qual a escala deste problema. A Tabela abaixo mostra um exemplo aplicado a municípios com problemas de eventos hidrológicos intensos. Observe a complexidade de associar uma severidade a uma unidade de análise com escala espacial extensa.

4.2.3.  MATRIZ DE RISCO

A matriz de risco categoriza de forma direta a relação entre severidade e probabilidade da ameaça. Geralmente, utiliza-se matrizes quadradas, ou seja, se há 5 categorias de probabilidade, há também 5 categorias de severidade. Entretanto, não há restrições ao uso de matrizes irregulares. A figura abaixo representa uma matriz de risco com 25 possibilidades (5 categorias de probabilidade e 5 categorias de severidade).

  A definição de risco é dada pelo produto da probabilidade de ocorrência de uma ameaça pela severidade em relação a uma estrutura ou operação. Quanto maior o risco, maior a escala de prioridade em termos de plano de contingência e ações preventivas que a ameaça deve receber. Para cada ameaça, uma matriz de risco pode ser construída. Na tabela abaixo é apresentado um exemplo.

5. CRIE ESTRATÉGIAS DE ADAPTAÇÃO

A adaptação vem em diferentes etapas. A primeira etapa é estabilizar o problema, ou seja, pensar em ações que garantam a manutenção da maior parte das atividades ao reduzir o risco a perda de vidas humanas ou paradas bruscas na operação. Esta etapa é o que chamamos Plano de Ações Emergenciais (PAE), que tem como principal objetivo executar ações coordenadas em momentos de crise.

O PAE é criado para eventos específicos, com um horizonte temporal curto que prevê ações apenas enquanto a crise é instalada. Ele é parte de um plano maior que deve ser construído, chamado Plano de Contingência. Este plano possui um recorte temporal diferente, que vai desde antes do evento ocorrer até depois que ele ocorre. O objetivo principal do plano de contingência é garantir as atividades básicas e dar apoio ao PAE.

A adaptação, ou a resiliência das operações, é incorporada pelo plano de continuidade. Este plano também é integrado ao plano de contingência, tendo início logo após a estabilização da crise e o início das atividades de recuperação. O principal objetivo dele é dar continuidade as operações aumentando sua capacidade de adaptação a mudanças climáticas e outros eventos não previstos.

5.1. PLANO DE CONTINGÊNCIA

O ponto mais complexo ao se criar um plano de contingência é compreender quando ele começa e quando ele termina. Um início tardio, repercute nas tomadas de decisão necessárias para estabilizar a crise e resulta em perdas desnecessárias. Um início precoce, causa a quebra de confiança nos envolvidos uma vez que o aumento da pressão e adrenalina ocorre num momento onde a crise ainda não é concreta. Logo, encontrar o momento ideal para dar início as atividades do plano de contingência é o ponto mais delicado, e o que resulta na maior parte dos erros, além de garantir os resultados necessários para lidar com os riscos identificados no estudo.

O plano de contingência deve olhar todo o processo operacional/gerencial sendo analisado, focando principalmente nas entradas (fornecedores e entradas) e saídas (saídas e clientes). Estabilizar a operação durante uma crise é desafiador, mas garantir que todas as ações envolvidas no processo estejam garantidas é um trabalho enorme e não é possível de ser feito sem o planejamento correto. Alguns pontos são essenciais para o bom funcionamento do plano de contingência:

  • Gestão de crise: criar um grupo de decisores dedicados a atuar durante o momento de crise, tomando decisões assertivas e baseadas em dados para gerar os melhores resultados neste momento delicado;
  • Comunicação: profissionais experientes em comunicação para manter todos os envolvidos em alerta e com o conhecimento necessário para lidar com a situação;
  • Fornecedores: profissionais experientes no problema que gerou a crise com objetivo de estudar e propor soluções eficazes em curto espaço de tempo;
  • Serviços e Insumos: garantir que os principais serviços (água, energia, internet, saúde, transporte) e insumos (remédios, alimentação, consumo essencial e etc) estejam a disposição da equipe e/ou população envolvida na crise;
  • Patrimônio: diagnosticar o patrimônio perdido e mantido durante a crise;
  • Contratos: manter uma lista de consultores/fornecedores com contratos pré-estabelecidos (forma de trabalho, acordo de atendimento, escopo, formação mínima, valores e formas de pagamento) para serem acionados no momento certo.

5.2. PLANO EMERGENCIAL

O plano de ações de emergência deve conter uma descrição simples e fácil de compreender sobre a tomada de decisão no momento de uma crise ou catástrofe climática. Dentre outras coisas, deve esclarecer a equipe que atua durante a emergência com funções e hierarquia bem definidas. A tomada de decisão deve ser feita de forma horizontal, com toda a equipe compreendendo os riscos e o que deve ser feito em diferentes situações. Logo, se subentende que esta equipe de atuação deve ser bem treinada, com simulados e reforços conceituais recorrentes para evitar que ocorra inércia em momentos de crise.

As ações estabelecidas devem ser claramente descritas e deixar claro o que deve ser feito, por quem deve ser feito e quando deve ser feito. A tomada de decisão horizontal é a melhor forma de fazer com que o plano seja executado de forma eficaz, ou seja, todos devem entender e agir da forma pré-estabelecida e não esperar por um comando específico.

A construção do plano emergencial deve considerar também a contratação de consultores e fornecedores em caráter emergencial. Para tanto, é importante que seja mantida uma lista atualizada de contatos que possam ser acionados rapidamente durante a crise.

As ações planejadas devem ser compartilhadas com a sociedade por meio de campanhas de conscientização e simulados.

5.3. PLANO DE CONTINUIDADE

Após o encerramento da emergência, se dá início ao plano de continuidade. Nessa etapa, toda a resiliência do sistema e pessoas envolvidas na crise devem ser formalizadas. O conhecimento e a experiência ganhos durante o evento é perdido se não for transformado em políticas e programas que garantam a continuidade futura dos negócios. Numa indústria, esta etapa pode ser alterações no sistema de fornecimento de energia e captação de água, por exemplo. Numa cidade, pode ser a criação de um zoneamento de risco que impeça a ocupação de áreas reconhecidas como de alto risco. Desta forma, o plano de continuidade deve pensar em tópicos como:

  • Políticas e programas voltados a resiliência: mapear áreas de risco, políticas de reuso de material, áreas de conservação, investimento em novas tecnologias com capacidade de adaptação e assim por diante;
  • Educação: Conhecer o risco e respeitar ele é o melhor caminho para se tornar mais resiliente em momentos de crise. A educação de todos os envolvidos, independente do seu nível de instrução e relevância para o sistema, é necessário para que os planos desenvolvidos e as ações de continuidade se tornem parte do dia a dia do sistema;
  • Treinamentos: Conhecer o risco e as ações propostas para mitigar eles são importantes, mas não impede que a crise ocorra novamente. Desta forma, criar simulados e treinamentos específicos sobre os planos de emergência e contingência é importante para que a tomada de decisão ocorra de forma ágil e eficaz;
  • Seguros contra o risco: Mudanças climáticas e crises derivadas do clima são incontroláveis e vão assolar novas áreas em algum momento. É importante entender responsabilidades e investimentos necessários para recuperar estas áreas. Principalmente, é importante manter linhas de créditos e financiamentos acessíveis que possam ser acionados no caso de crises e auxiliem na reconstrução dos negócios. Encontrar mecanismos de financiamento não podem levar ao empobrecimento dos impactados;
  • Acordos e novos negócios: Durante uma crise pode ocorrer a interrupção de determinado serviço ou operação. Nestes casos, é importante se antecipar aos problemas e já negociar novos acordos de negócios que permitam flexibilizar as entregas e prazos acordados anteriormente. No caso de indústrias, é importante acionar fornecedores e clientes e informar sobre a crise e os planos de continuidade que serão acionados após o problema.

 

6. SE SABEMOS DE TUDO, ENTÃO ONDE ESTÁ O PROBLEMA?

O trabalho não é simples, exige cuidado e construção colaborativa. Ou seja, é o tipo de investimento feito num longo prazo, o que nem sempre é bem-visto por gestores. Se adaptar ao futuro cria sempre um desconforto, pois o futuro pode nunca vir a acontecer. O investimento de tempo e orçamento é alto, pois a análise contempla diversos detalhes que sem o devido cuidado, podem passar despercebidos. Não são todos os empreendimentos que dispõem destes recursos, e logo acabam repartindo o trabalho em diversos fornecedores. Aí se cria um problema, pois grupos de especialistas diferentes, com metodologias diferentes, irão gerar resultados diferentes.

A forma de adaptação apresentada aqui é apenas um exemplo, superficial, de como este trabalho pode ser feito. Montar uma equipe, avaliar indicadores, e entender como as projeções climáticas influenciam a cadeia de impactos é uma metodologia que dá bons resultados. Contudo, assim como o ditado sobre Roma, diversos caminhos nos levam até o mesmo resultado final. Independente de como seja percorrido, é importante que estas análises sejam realizadas para que possam estar preparados para tomar boas decisões quando os momentos de crise chegarem. Infelizmente, aprender com a experiência, como é o processo natural na maioria dos empreendimentos, pode levar a prejuízos maiores que os necessários.

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