Sobre resiliência e desastres naturais

O tema de hoje será sobre resiliência em desastres naturais, e entendam esse termo a partir do fenômeno causador, ou seja, de origem natural, e não que todo desastre é só por causa de fenômenos naturais, sem responsabilidade da sociedade. E essa diferença se dá, principalmente, por causa da origem, em que podemos separar de acordo com o nível de interferência humana no fator causador do perigo.

O tema será discutido devido a importância que tem ganho nos últimos anos em estudos de possíveis mudanças climáticas e mais recentemente nos desastres de origem natural, ainda mais com os eventos mais recentes de inundações no Brasil e Paquistão, e secas na Europa e China.

Para iniciar essa análise, devemos retornar ao momento dicionário ou Wikipédia para entender a origem da palavra, assim, resiliência possui sua origem do latim resilio, significando retornar ao passado ou saltar para trás, e seus primeiros usos foram na era do Império Romano. Todavia, seu uso começou a ser difundido a partir do século XIX no sentido de robustez, resistência e maleabilidade para retornar ao equilíbrio anterior, principalmente nas áreas de mecânica, medicina, engenharias, e posteriormente em matemática e física (figura abaixo, fonte: LIAO, 2012WANG e BLACKMORE, 2009).

                                               

Figura 1. A resiliência de um sistema é medida pelo tempo que ele leva (t1-t0 no caso A) para o sistema se recuperar a 100% de sua funcionalidade anterior. Quanto mais tempo demorar, menos resiliente o sistema é (Caso B).

Esse retorno ao equilíbrio anterior foi sendo continuamente difundido em áreas científicas diversas, porém, esse processo atualmente evoluiu, principalmente na área que estuda possíveis mudanças climáticas como algo que passa por um stress, mas possui a capacidade de se tornar funcional novamente em um novo patamar. Essa nova descrição abriu um verdadeiro “buraco de minhoca” de possibilidades de aplicação da resiliência em várias áreas, hoje sendo aplicada na economia, sociologia, meio ambiente, empresas e nas mentorias profissionais, os famosos “coachs” (figura 2, fonte: ALEXANDER, 2013). 

Figura 2. Evolução do termo resiliência em um plano esquemático.

As inúmeras áreas trabalhando e pesquisando sobre resiliência enriquece por um lado o conhecimento, pois sempre está se evoluindo no conceito, no entanto, esse leque de opções pode causar certa confusão na saída da teoria para a prática, e principalmente para assuntos técnicos-científicos multidisciplinares como é a área de desastres naturais. Imaginem como chegar em um consenso com tantas cabeças pensando diferentes. Isso pode limitar a replicabilidade, e principalmente, comparabilidade de estudos.

Em algumas análises de desastres naturais, a resiliência pode ser dada como a ausência de vulnerabilidade, em outros é apenas uma parte da vulnerabilidade, uma terceira via analisa como totalmente independentes e uma quarta ainda usa relações com outros termos (alguns termos usados serão objeto de discussão em próximas postagens). E ainda variam de acordo com a origem do estudo (figura abaixo, fonte: CUTTER et al, 2008). Esse tipo de discussão ainda deixa em aberto a melhor forma de como aplicar, mais um ponto complicado para aplicação. O maior limitante é realmente querer enquadrar a resiliência como o retorno ao passado após um evento de stress, isso é utópico.

Figura 3. Vínculos conceituais entre resiliência, vulnerabilidade e capacidade adaptativa.

Esse retorno ao equilíbrio anterior foi sendo continuamente difundido em áreas científicas diversas, porém, esse processo atualmente evoluiu, principalmente na área que estuda possíveis mudanças climáticas como algo que passa por um stress, mas possui a capacidade de se tornar funcional novamente em um novo patamar. Essa nova descrição abriu um verdadeiro “buraco de minhoca” de possibilidades de aplicação da resiliência em várias áreas, hoje sendo aplicada na economia, sociologia, meio ambiente, empresas e nas mentorias profissionais, os famosos (figura abaixo, fonte: LIAO, 2012). Ressalta-se que a sociedade pode estar mais bem adaptada, continuar na mesma situação ou até piorar a sua adaptação.

Figura 4. A bola representa o estado do sistema em um determinando momento. O conceito de resiliência na engenharia assume apenas um regime, portanto, apenas uma possível áreas de atração, onde o fundo da área representa o estado estável ideal. O conceito de resiliência ecológica assume múltiplos regimes, portanto, mais de uma área de atração. O sistema pode mover-se dentro da área, nunca se acomodando no fundo. Pode também cruzar o limiar e se estabelecer em uma nova área de atração.

A resiliência será testada de acordo com dois pilares básicos: a capacidade de enfrentamento (primeira figura na sequência, fonte: MONTE et al, 2021) que se dá antes, durante e logo após o evento, e no período maior após o evento, a capacidade de recuperação (segunda figura na sequência, fonte: MONTE et al, 2021). O ponto principal é que para todas essas ações, a resiliência será maior quanto menos se depender de ajuda externa para voltar a um estado funcional. 

Figura 5. Sequência de ações na capacidade de enfrentamento em contribuição na resiliência.

Figura 6. A capacidade de recuperação (seta laranja) durante desastres desencadeados por eventos de desastres naturais (seta azul). A mudança de frequência (linha azul) durante o desastre corresponde ao estresse que ele causa, excedendo a capacidade de enfrentamento (polígono cinza). No cenário ideal, é a capacidade de recuperação (seta roxa) que estabiliza a sociedade. A capacidade adaptativa e a adaptação (reativa ou proativa – seta verde) aumentam a capacidade de enfrentamento. Assim, existe uma recuperação no sistema e esses ciclos virtuosos atingem um aumento na resiliência para desastres futuros.

A quantificação da resiliência é o último estágio de uma análise, porém, qualquer análise em desastres naturais que envolva a sociedade, torna essa quantificação um desafio hercúleo, pois sempre haverá lacunas de conhecimento devido a dinâmica não-linear do ser humano. O ponto principal é que cada análise seja única e adaptável a população estudada como um carro esportivo de luxo sob encomenda. Pois, características de uma área urbana diferem da área rural, o país x difere do país y, dessa forma, deve ser algo único e especial.

As discussões continuarão para evolução do conceito do termo, e apesar da dificuldade de conseguir analisar de forma prática, não devemos furtar de tentar quantificá-lo, pois assim ficaremos como analistas eternos de “sofá” sobre a melhor forma de aumentarmos nossas resiliências.

Para qualquer coisa na vida necessitaremos de resiliência para enfrentar os desafios, a resiliência não trata de ser inabalável, mas sim de como estar preparado, passar, absorver e se recuperar pelo stress e conseguir se estabilizar novamente sem ajuda ou com pouca ajuda externa. É difícil, mas deve ser almejado.

Deixo com vocês uma frase de um filme, que normalmente é tratado como simplório, mas tem uma passagem muito interessante sobre o que discutimos:
Rocky Balboa (2006)

“…Nem você, eu ou ninguém vai bater tão forte quanto a vida. Mas a questão não é o quão forte você bate, mas sim o quanto você aguenta apanhar e continuar seguindo em frente. O quanto você resiste e continua seguindo adiante. É assim que se vence uma luta!…”

Resumindo: Em algum momento, haverá um evento que causará marcas, haverá sofrimento, haverá problemas, mas as suas capacidades para enfrentar e se recuperar disso serão extremamente importantes para adaptar-se a um novo ciclo na vida que deve prioritariamente levar aprendizados que o tornem mais resiliente ao próximo evento. 

Escrito por:

Benício E. O. Monte
Geógrafo bacharel com doutorado em recursos hídricos e saneamento ambiental
Analista pleno em RHAMA Consultoria Ambiental LTDA
Torcedor fanático do CRB, apaixonado por esportes como futebol, F1, futebol americano, hockey no gelo e basquete. Gosta de churrasco e curioso pelos investimentos em bolsa de valores. 

 

Conheça nossas postagens!

Conheça nosso blog ou navegue pelas postagens.

Postar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *