Imagine a seguinte situação: Você é um caçador-coletor nas eras pré-históricas. Sente fome e sede, percebe que outros animais também sentem essas necessidades. Nota que os animais, em geral, tendem a permanecer perto de rios, banhados e lagos, facilitando a caça. A conclusão lógica é que ao permanecer próximo de ambientes aquáticos, os caçadores-coletores teriam maior chance de conseguir caçar e matar sua sede.
Essa conclusão é a mesma que a história nos permite entender que foi tirada pelos nossos antepassados. Nós montamos um estilo de vida baseado na proximidade de ambientes aquáticos. Mesmo atualmente, quando pessoas moram em locais afastados e sem um manancial próximo, ainda assim canalizamos e transportando água para todas estas regiões.
Ganhamos conhecimento no regime hidrológico ao ver os rios subirem (cheias) e descerem (secas) de nível e nos adaptamos, mesmo que indiretamente, a conviver com isto. Quem já olhou as marcas da água na areia da praia para entender se a maré está subindo ou descendo, ou até onde ela atinge numa encosta, sabe que não é necessário ser um expert em hidrologia para entender que há uma variação nas elevações das águas. Mesmo os que relutam em deixar áreas de inundação (por motivos sociais que devem ser respeitados) aceitam que há uma dinâmica de inundações seguida por momentos de estiagem. Não é necessário ser um engenheiro de recursos hídricos ou hidrólogo para entender que esta variação ocorre e provoca impactos nos dois casos. Escrevi um texto sobre isso um tempo atrás, segue o link.
Entender que rios possuem uma variação de nível e que eles podem causar inundações (que destroem casas e desabrigam pessoas) e estiagem (pode faltar água) não é algo difícil, basta vivenciar esta experiência morando próximo a estes ambientes (como nossos antepassados). Contudo, entender porque isto ocorre e quantificar os impactos desta dinâmica é um pouco mais complexo do que apenas vivenciar ela.
Processos hidrológicos e rios – A disponibilidade hídrica
Para que um rio tenha volume de escoamento, aquela água que podemos tomar banho e/ou captar para abastecimento, se faz necessário um conjunto de processos atmosféricos que ocorrem naturalmente. Normalmente, o ciclo hidrológico é composto por: i) formação de nuvens carregadas; ii) precipitação sobre uma determinada região; iii) escoamento superficial no solo; e iv) escoamento em rios. Este ciclo é “fechado” pela evaporação da água, retornando para a atmosfera e gerando novas nuvens. (Tudo bem, para os colegas cientistas aceito que o ciclo não é tão simples assim, mas detalhar ele não melhora o argumento deste artigo).
Uma vez que nossos antepassados encontraram condições interessantes para se manter próximo a corpos hídricos, eles passaram a utilizar estes ambientes com diversos objetivos. Com o passar do tempo, ambientes aquáticos foram sendo utilizados para navegação, irrigação, pesca, lazer, captação de água, lançamento de esgoto, paisagismo, e inúmeros outros usos existentes. O uso levou a conflitos, pois se muitas estão utilizando um mesmo recurso a tendência é que ele falte. Mesmo a água sendo um recurso renovável, a natureza precisa de tempo para sua renovação. O ritmo de consumo da sociedade atual acaba impactando diretamente neste ciclo, levando a escassez de água em alguns locais.
Se temos um recurso renovável, mas que demora a se renovar, muitos usos acontecendo simultaneamente, mas com conflitos para entender que tem prioridade no uso, a conclusão natural que cientistas e gestores chegaram é: precisamos quantificar a água disponível nos nossos rios. Esta “quantificação” é a chamada disponibilidade hídrica, presente em praticamente todos os planos de bacia e estudos hidrológicos que são realizados.
E aí, onde isso muda minha vida?
Pode parecer que não, mas sempre que temos água encanada em casa, um lago para pescar, um rio para passear, ou uma cachoeira para tomar banho, há um conjunto de pessoas discutindo disponibilidade hídrica e conflitos de uso para manter este recurso vivo e disponível para todos. Este trabalho geralmente ocorre em diferentes esferas e grupos, desde pequenos comitês de bacia formados por pessoas com interesses em comum a departamentos de recursos hídricos estaduais e federais que legislam sobre os usos e da água.
Conhecer o volume de água disponível para que os diversos usos existentes possam co-existir é uma atividade complexa. Mesmo após a sua determinação, gerir os diversos usos (e seus conflitos) é uma tarefa ingrata, pois por mais assertiva que a determinação da disponibilidade hídrica seja a natureza está em constante transformação. Logo, determinar processos hidrológicos, entender quanto de água passa num rio, identificar momentos de cheias e secas é importante mas não há garantias que este comportamento irá se manter no futuro.
Normalmente nós focamos apenas naquilo que nos impacta diretamente, esquecendo que nossas ações e decisões podem afetar um grupo ainda maior de pessoas. Quando discutimos disponibilidade hídrica e conflitos por uso, este assunto se torna ainda mais relevante pois a água que eu capto para irrigar na minha fazenda pode resultar na falta de água para abastecer uma cidade em outro trecho do rio. Eu sei, esse exemplo simplifica demais uma situação que é complexa e envolve vários elementos, mas é uma forma de ilustrar como entender o volume de água disponível nos ajuda a conciliar os diversos interesses acerca de um recurso nobre como a água.
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